sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

A Essência e a Aparência: Serviço e Grupos em Alcoólicos Anônimos

No cenário de Alcoólicos Anônimos no Brasil, observamos uma cultura enraizada de supervalorização do Serviço — o 3º Legado — em detrimento da importância fundamental dos grupos. Essa tendência contraria a lógica prestadora de serviços e apoio que está no cerne da nossa Nona Tradição. Para entender essa dinâmica, precisamos distinguir entre a essência e a aparência de A.A., especialmente no que diz respeito à organização e à representatividade.

A Nona Tradição afirma: "A.A. nunca deve ser organizada; mas podemos criar comissões ou conselhos de serviço diretamente responsáveis perante aqueles a quem servem." Esse princípio deixa claro que, embora existam estruturas organizadas (como comitês, juntas ou conselhos), elas não são a essência de A.A. — são apenas ferramentas de serviço criadas para apoiar os grupos, que são o verdadeiro coração da irmandade.

A Essência: Os Grupos

Os grupos são a base de A.A. Eles são autônomos, independentes e têm um único propósito primordial: levar a mensagem ao alcoólico que ainda sofre (Quinta Tradição). É nos grupos que a magia de A.A. acontece — onde os membros se reúnem, compartilham suas experiências, forças e esperanças, e ajudam uns aos outros a manter a sobriedade. Sem os grupos, A.A. não existiria.

A Aparência: O Serviço Organizado

O Serviço, por sua vez, é uma estrutura organizada que surge das necessidades dos grupos. Comitês, juntas e conselhos são criados para facilitar a comunicação, coordenar eventos, distribuir literatura e garantir que os grupos tenham o apoio necessário para cumprir sua missão. No entanto, essas estruturas são apenas representações de A.A., não a sua essência. Elas existem para servir os grupos, não para governá-los ou substituí-los.

A Dedução Óbvia

Se Alcoólicos Anônimos jamais deve se organizar, mas cria comitês organizados, então, por dedução óbvia, esses comitês, juntas ou conselhos são apenas representatividades de A.A., não a sua essência. Eles são ferramentas úteis, que devem ser combinadas ao propósito primordial da Irmandade. Quando essa distinção se perde entre a essência e a aparência, corremos o risco de supervalorizar o Serviço e negligenciar os grupos, invertendo a lógica que sustenta nossa tradição.

O Desafio Cultural no Brasil

No contexto brasileiro, essa inversão parece estar bastante enraizada. Muitos membros acabam vendo o Serviço como um fim em si mesmo, buscando status, reconhecimento ou poder dentro das estruturas organizadas. Esse comportamento contraria os princípios de coperatividade, igualdade e o serviço ao desgraçad@ que ignora o seu alcolismo e a solução de A.A. Para reverter essa tendência, precisamos reforçar a importância dos grupos e lembrar que o Serviço existe apenas para apoiá-los, nunca para substituí-los.

Conclusão

A essência de Alcoólicos Anônimos está nos grupos, onde a ajuda mútua e o compartilhamento acontecem. O Serviço organizado é apenas uma aparência, uma representatividade criada para facilitar o trabalho dos grupos. Quando entendemos essa distinção, podemos evitar a supervalorização do Serviço e garantir que A.A. continue cumprindo seu propósito primordial: ajudar alcoólico que ainda sofre a encontrar a sobriedade. Afinal, como diz a Nona Tradição, A.A. nunca deve ser organizado — mas pode (e deve) ser servido.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Os livros fundamentais de Alcoólicos Anônimos

 Livro: Os doze passos e as doze tradições de Alcoólicos Anônimos

Salve, salve, companheirada..!

Agradeço ao Companheiro Francisco pelas imagens do nosso acervo intelectual, um tesouro que pertence à humanidade. Esses livros não são apenas papel e tinta; são a diferença entre a vida e a morte para o verdadeiro alcoólico. Eles carregam a sabedoria de quem já caminhou pela escuridão e encontrou a luz. E, no entanto, no Brasil, esse patrimônio inestimável foi sequestrado por uma lógica mercantilista que envergonha os princípios que deveriam nortear nossa irmandade.

JUNAAB e o Poder Legal
Usurparam nosso patrimônio intelectual. Sim, usurparam. Transformaram um bem coletivo, que deveria ser acessível a todos, em uma mercadoria. Enquanto milhares de alcoólicos desesperados lutam para encontrar um sentido para suas vidas, nossos livros fundamentais são vendidos como produtos em prateleiras, inacessíveis para muitos em um país tão desigual como o nosso. Isso não é apenas um desvio de propósito; é uma traição aos princípios de AA.

Nosso desenho original, estabelecido por Bill W. e Dr. Bob, é claro: o autossustento. Recuperamo-nos para, então, assumir a responsabilidade por nossa existência coletiva. Nossa estrutura deve ser mantida por doações voluntárias e anônimas, não pela exploração comercial de um patrimônio que pertence a todos. Taxar esses livros com fins lucrativos é imoral. É elitizar o acesso a uma mensagem que deveria ser universal. É negar esperança a quem mais precisa.

Mas vamos além. Existem dois poderes em AA: o poder legal e o poder tradicional. O poder legal, representado por entidades como a JUNAAB, deve ser subsidiado majoritariamente pelas contribuições voluntárias do poder tradicional — os grupos e seus membros, que são a verdadeira força motriz de nossa irmandade. No entanto, entre 2014 e 2015, o poder legal se instalou em uma propriedade alugada no bairro do Tatuapé, em São Paulo, a um custo que foge completamente da nossa realidade arrecadatória. Uma máquina superestimada, que nos oferece um serviço subestimado. E o resultado? Uma política de preços das nossas obras completamente comprometedora.

A lógica, a grosso modo, é essa: viver de aparências. É como ter um dono de uma Mercedes-Benz na garagem de casa, mas sem poder tirá-la de lá porque o cartão de crédito tem o limite de um trabalhador operário de fábrica. É um absurdo. Enquanto isso, nossos livros, que deveriam ser reproduzidos com um lucro mínimo apenas para garantir sua continuidade e manutenção, são vendidos a preços que excluem aqueles que mais precisam.

E o que fazemos? Nossos livros ficam fechados, negligenciados, esquecidos. A maioria dos veteranos e grupos parece ter se acomodado a essa realidade. Nos últimos dez anos, vimos algumas mudanças, mas são lentas, insuficientes. Em AA, o bom sempre foi inimigo do melhor. E enquanto nos contentamos com o mínimo, a mensagem libertadora dos livros fundamentais — sim, estou falando de "Alcoólicos Anônimos" e "Os Doze Passos e as Doze Tradições", não do "Viver Sóbrio" — continua distante da maioria. A leitura, quando existe, é superficial. A compreensão, débil. E assim seguimos, distantes do ideal que Bill W. vivenciou naquela cozinha humilde, ao lado de seu padrinho Ebby T., que lhe transmitiu a mensagem dos Grupos Oxford. Esse relato histórico, descrito por Bill W. no último parágrafo do primeiro capítulo de "Alcoólicos Anônimos", é um testemunho poderoso de como a recuperação começa com a partilha desinteressada de uma mensagem de esperança.

Mas eu digo: chega. Chega de negligência. Chega de comodismo. Chega de permitir que um patrimônio que é nosso seja explorado por interesses que não são os nossos. É hora de colocar essa locomotiva nos trilhos. Uma nova geração está chegando, cheia de brilho e sede de sentido. Eles merecem mais do que migalhas. Merecem acesso pleno à mensagem que pode salvar suas vidas.

Não se iludam: a mudança começa conosco. Precisamos estudar, compreender e aplicar os livros fundamentais em nossas vidas. Precisamos exigir que nosso patrimônio seja tratado com o respeito que merece. E, acima de tudo, precisamos honrar o legado de nossos precursores, garantindo que a mensagem de AA seja acessível a todos, sem distinção. Porque, no fim das contas, não se trata apenas de livros. Trata-se de vidas. E vidas não têm preço.