sexta-feira, 13 de junho de 2025

O QUE SERIA “FICAR BRANCO COMO A NEVE”, PARA ALCOÓLICOS ANÔNIMOS?

Sexto Passo de Alcoólicos Anônimos







A expressão usada por Bill, no sexto passo: … “mas nunca nos deixará brancos como a neve…”, é sempre retirada do seu contexto, fazendo com que muitos acreditem que nunca ficaremos brancos como a neve. Mas será isso mesmo?

Para entendermos que no sexto passo há um precedente aberto para acreditarmos que poderemos sim nos tornar brancos como a neve é preciso analisarmos a situação num contexto muito mais amplo, e isso vai nos arremeter ao que nos é sugerido desde o quarto passo, “fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos”.

O ensaio começa dizendo que “A criação nos deu os instintos por alguma razão, sem eles não seríamos seres humanos completos”. Em seguida, é relatado a função de tais instintos, que seria o combustível para buscarmos abrigo, prestígio social, por reprodução, segurança financeira…, coisas PERFEITAMENTE naturais e necessárias, dadas a nós por Deus. Sendo assim, tais instintos, usados para esse fim, se tornam o padrão ideal de Deus para nós, seres humanos.

Contudo, os instintos são os depositários de toda sorte de desejos nos seres humanos. Tais desejos, em algum momento excedem suas funções originais e passam a escravizar a nós seres humanos. Passamos a viver, em dado momento, apenas segundo os excessos, perdendo de vista o padrão ideal de Deus para nós.

Ao refletirmos sobre os excessos, nos conscientizamos de que desejamos mais do que o necessário para nossa sobrevivência. Então compartilhamos com outra pessoa e passamos a desejar eliminar esses excessos é quando vem o sexto passo, “prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse nossos defeitos de caráter”. Os defeitos de caráter são os excessos do padrão normal dos instintos que Deus nos deu, que serviriam apenas para nos motivar a viver.

Mas ainda no sexto passo é dito “visto que nascemos com uma abundância de desejos naturais é normal que eles se excedam e passem a nos dominar. Mais adiante, o texto diz que não há notícias em canto algum de que Deus tenha eliminado totalmente os instintos de um ser humano. Se Ele fizesse, seria o mesmo que eliminar a motivação para viver de um ser humano, logo, os instintos são uma parte intrínseca de nós.

Então vem a famosa expressão: “Se pedirmos, Deus certamente perdoará nossos defeitos de caráter, MAS NUNCA NOS TORNARÁ BRANCOS COMO A NEVE, mas o texto não se encerra aí, ele continua ... sem a nossa ajuda”... Fica claro que tudo depende de nós.

Ora, se você tem um presente ele é seu, mas se resolve dar a alguém, você dá a quem você quiser e uma vez dado, quem recebe faz o que quiser com aquele presente, pois agora é seu. Mas se posteriormente depois de ter usado o presente inadequadamente quiser recorrer àquele que lhe deu para fazer um conserto, aquele que deu pode tranquilamente providenciar o conserto do presente. Os instintos foram dados a nós por Deus e depois que os recebemos, fizemos uso deles como melhor nos aprouve.

A decisão de trazer os instintos à sua função natural, que é apenas o de dar motivação para viver, conforme Deus pensou para nós, é nossa. Deus está pronto para nos tornar brancos como a neve, mas os instintos já foram dados a nós e agora a prerrogativa de pedir para corrigir é nossa. Assim como quando entramos no quanto de nosso filho e enxergamos ali uma tremenda bagunça e não ousamos arrumar conforme o padrão que pensamos do quarto para ele, pois isso pode chatea-lo, também arrumamos com o maior zelo possível, dentro do padrão que pensamos pra ele, se ele nos pedir.

Assim também funciona em relação aos nosso instintos, se pedirmos Deus certamente trará nossos desejos ao padrão que Ele pensou para nós seres humanos. A medida de Deus para nós, seres humanos, é uma medida proporcional ao que precisamos para viver neste mundo.

O nosso erro de interpretacão neste texto é que não o lemos dentro de um padrão humano, mas sim, fazendo uma relação com o padrão de perfeição de Deus para Ele, Deus. Deus é um ser espiritual no sentido exato da palavra, é superior ao ser humano e Sua perfeição é uma coisa, totalmente diferente da perfeição que ele deseja para nós aqui na terra.

Ficar branco como a neve, para nós, humanos, é tão somente usar os nossos desejos instintivos apenas como motivação para dar sentido à vida, tal sentido é expresso lá no início do quarto passo: motivação para construir abrigo, ter um pouco de prestígio na comunidade, construir uma família e se manter neste padrão.

Caso algum desejo insista em exceder sua função pensada por Deus para nós, podemos recorrer ao Criador, que Ele certamente perdoará nossas negligências.

Carlos S

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

A Essência e a Aparência: Serviço e Grupos em Alcoólicos Anônimos

No cenário de Alcoólicos Anônimos no Brasil, observamos uma cultura enraizada de supervalorização do Serviço — o 3º Legado — em detrimento da importância fundamental dos grupos. Essa tendência contraria a lógica prestadora de serviços e apoio que está no cerne da nossa Nona Tradição. Para entender essa dinâmica, precisamos distinguir entre a essência e a aparência de A.A., especialmente no que diz respeito à organização e à representatividade.

A Nona Tradição afirma: "A.A. nunca deve ser organizada; mas podemos criar comissões ou conselhos de serviço diretamente responsáveis perante aqueles a quem servem." Esse princípio deixa claro que, embora existam estruturas organizadas (como comitês, juntas ou conselhos), elas não são a essência de A.A. — são apenas ferramentas de serviço criadas para apoiar os grupos, que são o verdadeiro coração da irmandade.

A Essência: Os Grupos

Os grupos são a base de A.A. Eles são autônomos, independentes e têm um único propósito primordial: levar a mensagem ao alcoólico que ainda sofre (Quinta Tradição). É nos grupos que a magia de A.A. acontece — onde os membros se reúnem, compartilham suas experiências, forças e esperanças, e ajudam uns aos outros a manter a sobriedade. Sem os grupos, A.A. não existiria.

A Aparência: O Serviço Organizado

O Serviço, por sua vez, é uma estrutura organizada que surge das necessidades dos grupos. Comitês, juntas e conselhos são criados para facilitar a comunicação, coordenar eventos, distribuir literatura e garantir que os grupos tenham o apoio necessário para cumprir sua missão. No entanto, essas estruturas são apenas representações de A.A., não a sua essência. Elas existem para servir os grupos, não para governá-los ou substituí-los.

A Dedução Óbvia

Se Alcoólicos Anônimos jamais deve se organizar, mas cria comitês organizados, então, por dedução óbvia, esses comitês, juntas ou conselhos são apenas representatividades de A.A., não a sua essência. Eles são ferramentas úteis, que devem ser combinadas ao propósito primordial da Irmandade. Quando essa distinção se perde entre a essência e a aparência, corremos o risco de supervalorizar o Serviço e negligenciar os grupos, invertendo a lógica que sustenta nossa tradição.

O Desafio Cultural no Brasil

No contexto brasileiro, essa inversão parece estar bastante enraizada. Muitos membros acabam vendo o Serviço como um fim em si mesmo, buscando status, reconhecimento ou poder dentro das estruturas organizadas. Esse comportamento contraria os princípios de coperatividade, igualdade e o serviço ao desgraçad@ que ignora o seu alcolismo e a solução de A.A. Para reverter essa tendência, precisamos reforçar a importância dos grupos e lembrar que o Serviço existe apenas para apoiá-los, nunca para substituí-los.

Conclusão

A essência de Alcoólicos Anônimos está nos grupos, onde a ajuda mútua e o compartilhamento acontecem. O Serviço organizado é apenas uma aparência, uma representatividade criada para facilitar o trabalho dos grupos. Quando entendemos essa distinção, podemos evitar a supervalorização do Serviço e garantir que A.A. continue cumprindo seu propósito primordial: ajudar alcoólico que ainda sofre a encontrar a sobriedade. Afinal, como diz a Nona Tradição, A.A. nunca deve ser organizado — mas pode (e deve) ser servido.